Assistente editor: Hugo de Aguiar

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Se me perco
Onde quer que seja à hora do meio-dia
No meio de cintilantes dunas
Abobadadas de canela
E a fuga dourada de gazelas

Na tórrida estrada
O brusco barulho de cascos que fogem
Passa o arcaico tropel
Seguindo a flauta invisível de deus
Se esconde indolente esteira solar
Na sombra doce das velhas árvores

Escutando o céu
Espada matinal
E a colina que lhe cobre os joelhos
Volto para a vida costumeira

Oh meu amor
Não existe nada que amemos
Que não fuja como a sombra

Como estas terras longínquas
Onde até o nome perdemos

Mas as gazelas passam nas pálpebras adormecidas
Meu amado
Esta noite a morte é filha do tempo

Tradução: Fernando Oliveira, dum poema sem titulo de Anne Perrier

A vida boémia

Não é
No momento onde morrem todos os gritos
Pungentes da terra
Que levarei todas as lágrimas
Não
Mas este riso da criança
Que tal um cabrito-montês
Atravessa a trovoada

Tradução: Fernando Oliveira

Do original “ La Vie Nomade, “ 1988 de Anne Perrier

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Súplica

Deixem-me partir agora
Serei tão leve sobre as águas
Levarei tão pouca coisa
Alguns rostos o céu de verão
E uma rosa desabrochada

O rio é tão fresco
E a ferida tão acesa
Deixem-me partir na hora incandescente
Quando as bestas furtivas
Se esconderem na sombra dos celeiros
E a curva do dia
Se desfizer da sua lentidão

Brandamente me deitarei sobre as águas
E escutarei a minha tristeza
Cair no fundo como uma pedra
Então que o vento nos salgueiros
Suspenderá o meu cantar

Transeuntes tenham pena de mim
Mas não me agarrem
Pois a terra não tem mais lugar
Para a estranha Ofélia
Ataram a sua voz e quebraram o vaso
Da sua razão

O mundo assassina-me e portanto
Porque é que o dia deve ser tão puro
O pássaro tão transparente
E que as flores
Desabrochem mais puras a cada aurora
Oh beleza
Façamos o rápido adeus

Pelo rio pela torrente
Deixem-me agora partir
O mar está próximo e eu já respiro
O sal ardente
Das grandes profundezas
Com os olhos abertos penetrarei no âmago
Da noite tranquila
Passarei entre as árvores de coral
Afastando as ânforas azuis
Beirando o rosto
Infantil das fusaiolas
Pois ali residem
Os mortos bem-amados
Conservados pelo silêncio e a paz
Eles são amigos
Dos peixes luminosos e das estrelas
Do mar eles passam
Lentamente entre os séculos eles falam

De Deus sem fim
São felizes
Oh memória minha quebra-te
Antes de ir acordar o imo
Da eternidade

Assim fala Ofélia
No jardim deserto
Depois a dor se cala
O rio cintila e retira-se
Sob as folhas
Apenas o vento
Leva o seu gemido até ao mar

Tradução : Fernando Oliveira

Anne Perrier, « Prière » in Œuvres poétiques, 1952-1994, L’Escampette, 1996 ; Anthologie de la poésie française du XXe siècle, Gallimard, Collection Poésie, 2000, pp. 197-198. Édition de Jean-Baptiste Para.

A árvore de Ténéré

Aqui os milenários se ajoelham
Ao bordo do poço guardado por ramos verdes
Não procures mais oh viajante no dia direito
A aérea coroa
O deserto perdeu a sua grinalda
Sua espinha doce sua majestade
Apenas no fundo da terra que ignora
Uma água ainda treme do último ataque
Das raízes

Desde então oh irmão onde instalar a nossa sombra
Se aqui era a eternidade
Mais nada nem uma bússola
Que impeça o coração de se perder
Na centelha dos ventos

Tradução: Fernando Oliveira
Do original de Anne Perrier ‘L'arbre du Ténéré’